sexta-feira, 19 de junho de 2015

Tens a certeza do que queres?

Tens a certeza do que queres? De certeza? Não, a sério, olha outra vez. 

Se pudesse voltar atrás, voltava a escolher tudo como escolhi. Por mais romântico que pareça. Não há nada que tenha feito na minha vida de que me arrependa. Podia ter feito mais? Sim. Podia ter feito melhor? Também. 

Não vivo conscientemente consciente. Sou mais de viver só com o coração. E dizem por aí que quando se assina com o coração pode acabar bem ou acabar mal mas jamais pode ser considerado um erro - e nesta vida, só quando erramos, mas só quando erramos mesmo muito nos é permitido assumir que queremos esquecer. 

Dizemos, bem mais vezes do que as que nos gostaria, "ai se pudesse voltar atrás". Pois sim! Se pudesse voltar atrás faria tudo exactamente como fiz. Porque é exactamente o "ai se pudesse voltar atrás" que me permitiu chegar até aí. Até ao ponto de inflexão. Porque só quando sabes de onde vens podes imaginar onde queres ir. 

terça-feira, 16 de junho de 2015

Madrid, escolhida por mim.

Madrid pode ser enorme. Pode ser uma estranha, destas desconhecidas que nunca te deixarão indiferente mas que realmente nunca chegas a perceber as suas entranhas, os seus segredos, os seus recantos. Visitá-la, não é o mesmo que viver com ela. Todos os dias.

Desde que vivo aqui, é normal ouvir dizer que ou te adaptas ou então, com o tempo, a cidade conseguirá comer-te e, eventualmente, quererás voltar para o sítio de onde vieste. Não podia estar mais de acordo.

Podes-te perder no meio de um ritmo tão rápido. Num ritmo que te assusta porque acaba por ser o teu próprio ritmo, sem que te dês conta, como se sempre tivesse sido assim. E nem tinhas pressa para chegar a lado nenhum. Percebes que o café é mau, e que dizer que o café é mau se transforma num cliché. No princípio os carros assustam. São demasiados. E perguntas-te porque continuas a tomar um café mau, numa esplanada rodeada de carros, um café mau e caro. Acabas por habituar-te ao pingo, com leite. Porque precisas de café e sabes que, a partir de agora, jamais poderás prescindir do leite.

E no Inverno tens frio - acabaram-se as camadas, as golas altas e os casaquinhos próprios para os 10 graus de Inverno no Porto. Aprendes que um bom casaco é o investimento da estação. Porque em todos os outros sítios, que não sejam ao ar livre, o calor é infernal.
E no Verão tens calor. Mas aprendes que a cadeira do teu escritório tem que ser o apoio de um casaco que lutará, contigo, contra o ar condicionado. E há uma echarpe que te acompanhará a todos os outros sítios carregados de diferenças de temperatura que não imaginavas que o teu corpo pudesse aguentar. "As grandes diferenças de temperatura fazem com que fiques doente." - afinal não. Mas além de tudo isto, aprendes que tens que saber escolher quem se senta ao teu lado, em frente a ti e do outro lado no escritório. Esses serão os teus melhores amigos na luta contra o aquecimento no Inverno e o ar condicionado no Verão.

Acabas por perceber que tens duas opções. Diferenciar o sítio em que viveste e o sítio em que vives. Pensar nos dois forma separada. Um, já foi a tua casa. O outro é a tua casa. Um foi o escolhido para que nascesses, para que te transformasses no que és hoje. O outro foi, foi o que tu escolheste depois de te transformares no que és hoje.
Há quem diga que a cidade te escolhe. Que não és tu que escolhes a cidade em que vives. Isso não poderia estar mais errado. Não podes deixar que Madrid te escolha. Porque te vais embora. Tens que ser mais teimoso e, todos os dias, um bocadinho maior.

Sim, Madrid é enorme. Diferente. Mas agora, um bocadinho minha. E aqui, tudo é o que parece ser. Ainda que, por vezes, teimemos que as aparências enganam. Que sigamos pela vida e pensemos que as coisas mudam e que mudam porque sim, aqui não. Se és um idiota, aqui, acabas por comportar-te como tal. Se te sentes sozinho, e não sabes explicar, acabarás por voltar para o sítio de onde vieste. Se não a cidade conseguirá comer-te. Lembras-te? Porque aqui podes avançar ao mesmo tempo que retrocedes em cada passo que dás.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Espremer pela igualdade das portuguesas

Não sou mãe. Mas sou tia - verdadeira e emprestada-, prima e irmã. Mas o facto de não ser Mãe, neste caso, não interessa para nada. Porque também tenho um par de mamas, e acreditem, espremê-las em frente a qualquer pessoa - qualquer pessoa, repito - teria em mim o mesmo efeito que teve nas mulheres que, evidentemente, não estavam à espera nem de espremer leite nem de esguichar coisa nenhuma.

Ora imaginem lá: "Boa tarde, queremos actualizar o seu boletim de vacinas e saber se o espaço em que trabalha é seguro para si. Ah, e já agora, esguiche aí uma mama porque queremos ter a certeza que o leitinho que dá ao seu filho é realmente verdadeiro." - "Como quer que esguiche uma mama?" - "Vá lá, é só apertar."

Ultimamente em Portugal, o verbo apertar, mas apertar por apertar, só para ver se sai mais alguma coisa, tem sido conjugado, em todos os seus tempos por quem vive, trabalha e estuda. Aperta. Mas aperta com força. Porque normalmente quando apertamos, a coisa ganha forma, dentro de um buraco que tem fim. E, depois de tanto apertarmos, o espaço fica mais pequeno. E quase que garanto que não é leite que transborda.

Mas Portugal é um país de igualdades. Não devemos dar mais horas a umas mães que dizem que estão a amamentar mas que afinal o leite não é delas. É das vacas verdadeiras. E como sou pela igualdade, espero, que hoje mesmo, todos os utentes que se queixem de uma gastroenterite, daquelas bem agudas, que se dirijam ao seu médico de saúde ocupacional mais próximo. - É uma questão de economia pública.

Até já, querido Avô.

Ontem, quando falei com a Luisinha sobre o avô dissemos que há uma certeza que ninguém nos tira. Nem a mim, nem a ela nem a todos os netos. 

Somos muitos, eu sei. E ainda bem. Porque somos muitos a ter o melhor avô do mundo. 

Porque nunca nos vamos esquecer dos raspanetes quando chegávamos com as calças rotas, ou quando nos sentávamos à mesa depois da uma, ou quando nos esquecíamos de pôr o telefone em silêncio. Mas não importava, porque era o avô. E o nosso avô pode tudo! 

E vamos sempre lembrar-nos da festinha na cabeça antes de subir para ir dormir a sesta. E quando achava que falava baixinho para contar coisas que não queria que mais ninguém ouvisse. E quando perguntava pela avó. Queria sempre saber onde estava a avó. 

Vamos ter saudades tuas, querido avô. E hoje não nos despedimos de ti. Dizemos-te até já. Sabemos que estás aqui. Connosco. E ao lado da avó. 

domingo, 12 de janeiro de 2014

Resoluções que nunca se resolvem

Tenho as minhas resoluções para 2014 feitas. Lista fechada, finito, não entra nem mais uma. Algumas resoluções são novas, dignas de um novo ano que começa e, que não sei bem porquê, não me inspira dessa forma tão sofrega que me obrigue a pensar num "livro de 356 páginas novas em branco para escrever o início do resto a minha vida". Que tipo de frases inspiradoras andam para aí a convencer as pessoas de que um livro em branco é o melhor que pode acontecer na nossa vida? Então e as memórias? E os erros que nos fizeram dar com o corpo todo no chão? E as delícias sensações que prometemos que voltaríamos a repetir? Deixemos as folhas em branco, já que estamos numa de ano novo, mais vale aproveitarmos as chavetas, as vírgulas e os parênteses da vida. 

Algumas das minhas resoluções são antigas, são tão antigas que me envergonham pessoalmente. É que é impossível que alguém tenha, durante tanto tempo, resoluções não resolvidas ou por resolver. Depois também começo a suspeitar que vão ficar ali para sempre, as resoluções na lista das resoluções não resolvidas de todos os anos novos que começo:

3 - pensar antes de falar SEMPRE
7 - saber dizer NÃO mais vezes

Esta é a resolução número 3 e número 7 da minha lista com 12 resoluções. E mesmo que eu saiba como isto destrói horas de descanso, de genialidade, de tempo livre, de sofá com pipocas e bom filme, de livros guardados e não lidos, c-o-n-t-i-n-u-o a não saber resolver as resoluções dos meus anos que começam. 

Este ano, estas duas resoluções, estão escritas em todos os dias da minha agenda. E não as quero na minha lista do ano que vem. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Confortitis

Se tivesse que escolher, entre as minhas leituras, a palavra do ano não teria nada que ver com selfie. Talvez conjugada noutros contextos e noutros dia a dia que não o meu, talvez... 
Somos aquilo que lemos e os outros acham que devemos ler aquilo que somos e, portanto, li, reli, partilhei e comentei dezenas de artigos sobre emigrar, dezenas de comentários carinhosos, carregados de sentimentos e dezenas de comentários a transbordar inveja, e não, não vou dizer, próprios dos portugueses. 

Emigrar, sair do conforto, dar o salto nunca foi bem visto porque quem fica, prefere o quentinho, prefere culpar os outros porque teve que ficar. Quem emigra, tem sorte, porque emigra. Então e os outros, que não puderam sair? 

Preferimos viver de inveja do que da nossa felicidade. Alimenta mais, é mais rica em ousadia porque ficar enquanto esperamos que nos resolvam a nossa confortitis é um acto mais corajoso do que sair e procurar, nalgum canto do mundo, a nossa felicidade. 




segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Decisão antecipada

Há quase dois meses que não escrevo! E parece-me inacreditável que consiga passar tanto tempo sem fazer uma das coisas que mais gosto. A princípio achei que podia esconder-me atrás da desculpa de toda a vida "trabalho a mais", e não demorou muito até que esta desculpa se esgotou em si mesmo. 

Achei que podia passar uns tempos sem escrever porque afinal, coisas mais importantes vão aparecendo. E deixei de me sentir bem com isto, com esta outra desculpa, ao mesmo tempo que me tentava convencer todos os dias. Fui recebendo mensagens, queixas, saudades dos que me liam e que agora, por minha causa, deixaram de me ler. 

Agora mesmo atropelo as palavras, tenho energia a mais nos dedos mas treino a menos no pensamento. É que o cérebro também se exercita, e também perde a juventude se o deixarmos mais esquecido no meio de tantos exercícios diários que teimamos em priorizar. 

Era resolução para o próximo ano, voltar a escrever com a mesma vontade e com a mesma intensidade. Mas acabo isto, este texto, com resolução para amanhã. Não me parece uma boa decisão adiar, para o ano, esta minha forma de ser. 

domingo, 6 de outubro de 2013

Bom dia, senhor motorista

No outro dia, estava a vir para casa, de autocarro. E fiz o que normalmente não faço, sentei-me no lugar da frente. Apeteceu-me ver a estrada em vez de ir com a cabeça encostada ao vidro, ou encostada atrás ou concentrada num livro qualquer dos tantos que ainda me faltam para ler. 
É que acho que os lugares da frente devem ser para os mais velhos, para os que têm dificuldade em andar, para os que não se conseguem defender dos super arranques dos autocarros - é todo um processo de equilíbrio que põe à prova todos os corpos do mundo. 

E percebi que o número de pessoas que entra no autocarro e finge que não há ali ninguém é irritantemente enorme. Há ali alguém, juro: a conduzir, a cobrar senhas, a abrir portas para nos deixar entrar, a fechar portas com a certeza que já não está ninguém, a esperar pelos que correm enfurecidamente e que sabem que se não for este, vão chegar tarde. 
Entrar num autocarro, dizer bom dia, boa tarde, boa noite é igual a entrar em qualquer outro lado e cumprimentar as pessoas, qualquer pessoa. Não é uma questão de educação, ou melhor, é uma questão de educação, mas antes disso, bem antes, é uma questão de sabermos que está ali alguém. E se está alguém em algum sitio, cumprimentamos esse alguém. 

Antes, desta viagem, parecia-me tão simples. 


domingo, 29 de setembro de 2013

O estranho caso das cuecas

Hoje é domingo, dia de fazer coisas que habitualmente não fazemos à semana. Preguiçar no sofá, comer (Nutella), comer e comer, ver séries, filmes, adormecer, acordar e voltar a adormecer. Ver todas as novidades no Facebook, esperar pelos resultados das autárquicas, ler notícias, espreitar sites de tudo e mais alguma coisa, pôr a manta nas pernas, puxá-la até ao pescoço, voltar a pô-la nas pernas. E, um domingo por outro, arrumar e organizar. 

Durante esta semana, já não me lembro exactamente quando, percebi que tinha uma problema com as minhas cuecas. Percebi que tenho demasiadas e que mesmo quando compro novas, mantenho as velhas. Como, se por magia, aparecesse no meu armário a fada-que-torna-coisas-velhas-em-coisas-novas e as curasse dos anos que passaram. Entre lavagens, maus tratos para entrarem e saírem de malas de viagem, pressão assustadora para que se encolham e caibam nas gavetas, molas postas-de-qualquer-maneira quando é a sua vez (das cuecas) de irem para o estendal. As cuecas também têm validade, mas as minhas, algumas delas, estão pelas ruas da amargura. 

Não sei se o problema é só meu. Se de facto tenho uma relação quase doentia com as minhas cuecas velhas que já deviam estar no lixo (velhas, hã, velhas). Se o facto de escolher esta ou aquela porque tenho isto ou aquilo é normal ou só mais uma cabralice, das minhas, anacabralices.
Admiro portanto todas as mulheres que por aí andam que tenham, eventualmente, uma gaveta de cuecas imaculadamente novas, as mulheres que coleccionem cuecas Victoria's Secret, Intimissimi e Triumph. Todas elas com as rendas cutxi-cutxi, sem fios soltos e sem cores desgastadas.

Porque as minhas, que em tempos foram vermelhas, e brancas, e verdes, e cor de rosa, e pretas, agora, agora mesmo não têm lugar nas paletas de cores deste mundo. 

Pensei, por hoje ser domingo, em fazer uma limpeza. Em atirá-las para o caixote do lixo sem dó nem piedade, mas vai ficar como resolução para o ano que há-de vir. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Outros

Há muita gente que me pergunta como tenho tanto tempo para lidar com os problemas dos outros e tão pouco para resolver os meus. A resposta parece-me tão simples: os meus problemas incomodam-me, os dos outros, nem por isso. E depois, bem, depois sou uma pessoa de pessoas. 

Não gosto de me isolar, de me alhear ao mundo que está aí, ali, aqui, bem à minha volta. Não gosto de ser só minha, nem gosto que os outros sejam só dos outros. E chamar-lhes outros, não é redundante. É que os outros, mesmo sendo outros, são meus. Porque sei que eu, só comigo, acabo por ser muito pouco. 
Gosto de desfrutar de uma amizade pura. Gosto de saber com o que conto e de mostar aos outros, os meus, com o que podem contar. Não é uma questão de dias melhores, de dias piores, de paciências horárias ou de curiosidades insanas que atendem o telemóvel quase sozinhas. 

Darmos a nossa parte, chamemos-lhe disponível, custa. 
Quantas vezes não me apeteceu desligar, despedir-me sem justa causa de amizades que me tiram mais do que me dão, trocar a tradição da amizade longa pela esplanada com outros novos que ainda não contam problemas. Não porque não os tenham, mas porque ainda é cedo. 
Custa, mas vale a pena. Porque depois, os sorrisos dos outros, também são meus. Um bocadinho meus. Porque mesmo sem obrigada, obrigado, sem gestos, sejam estes quais forem, são outros que me pertencem. Ou melhor dito, sou eu, mais completa, que pertenço a outros. Porque sei, se sei, que sem os outros, seria metade do que sou. E não gosto de metades. Andam sempre perdidas, à procura do outro lado. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sentemo-nos no trono... Sem medo, sem medo!


Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém o ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!
 
Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta d'amores de alimpadura
Serviu àquela parte malcheirosa:
 
Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito d'amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita:
 
Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!


Depois d'este anúncio, mandem à moça mais bonita, um frasco, dois frascos, três frascos de poo-pourri. Bocage agradece.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Não sou de piropos

Nunca fui pessoa de ter insónias. Nem nunca fui pessoa que deixe o seu sono de beleza por problemas daqueles do dia a dia que à noite parecem enormes mas que depois, com outra luz, com outros olhos e um novo pequeno almoço voltam a ganhar uma dimensão mais normal, mais realista. Nunca me aconteceu - e que continue assim - não dormir porque fiquei a pensar nisto ou naquilo, naquele ou naquela. Tenho os meus pesadelos, tenho as minhas inseguranças, alguns ataques de ansiedade (que não são bem ataques mas que até podiam ser) mas normalmente durmo bem, menos do que queria, mas bem - dizem que as horas de sono vão reduzindo com a idade e como eu não quero que isso me aconteça tão cedo, que fique claro, claro como água cristalina que isto não é uma queixa, just a point of view, não vá andar por aí uma ave rara do além achar que eu devia era saber "o que é bom para a tosse". 

Mas hoje, vá-se lá saber porquê não consigo (ainda) adormecer e portanto ponho-me a divagar. E a ler notícias, e a abrir e fechar o facebook e a jogar clash of clans, e a ler outros blogues, e a passear este meu cérebro por assuntos que achava que não me iam despertar nenhum interesse mas que afinal, afinaaaaallll não é bem assim. 

Ora o assunto piropos na rua a mulheres/raparigas/crianças está a tentar ser assunto passível de ser discutido e revisto pelos mui nobres senhores que tomam conta deste país. Mas infelizmente a coisa já nasceu torta (o debate) porque a escolha da palavra piropo é descabida e quando o peixe morre pela boca, não há nada a fazer. Entorna-se o caldo, fecham-se as cortinas e o teatro acaba mesmo antes de saírem actores e figurinos deixando todo um público sedento de espectáculo, entregue à especulação, ao ridículo da adivinha. 

É que esta coisa dos piropos tem que se lhe diga. Para alguns. Para esses alguns, que deixam à partida de ter interesse, um piropo pode até ser uma forma brejeira de elogio. Quem não gosta de ouvir um piropo? Quem não quer ouvir um piropo se o piropo pode fazer com que um dia merdoso se torne num dia soalheiro, cheio de luz, brilhante. Mesmo que o piropo seja "oh filha, comia-te toda" ou "anda cá que o pápá ensina-te umas coisas" ou "oh boneca, nem sabes o que te fazia". E outras coisas que não me apetece escrever agora mesmo sob pena de isto se tornar um texto pornograficamente insuportável. 

A sério? A sério que isto pode ser considerado um elogio? Queremos todos acreditar que eu tenho que ouvir o que qualquer pessoa me diz na rua, porque lhe apetece? Que tenho que fingir que não ouço, acelerar o passo e, da próxima vez, escolher outro caminho ou outra saia, ou outra camisa, ou outra cara? 
Talvez tenha encontrado a resposta para todos os piropos que me possam surgir e talvez não seja a mais delicada, talvez não seja a que é suposto, mas também, um piropo, não é só um piropo. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os incêndios

Nos últimos anos tenho feito um esforço, um esforço sincero, para não ser tão crítica. Para não ser tão crítica comigo mas principalmente com os outros. Esforço-me por encontrar motivos que levem pessoas diferentes de mim a tomarem decisões tão diferentes das minhas. Isto, posto deste modo, parece fácil. Ah e tal, todos somos diferentes, resultado do meio em que crescemos, da cultura que absorvemos, da educação que nos deram, das experiências que tivemos e da genética, ai genética. 
Mas não é fácil, pode ser um caminho longo e penoso desfazer preconceitos. 

E depois tenho o outro lado da moeda, o outro lado da história, a outra versão de mim mesma que quer sair aqui de dentro, como se fosse um monstrinho adormecido há anos. Uma outra versão da Ana, que julga, insulta, acalma-se tentando encontrar um motivo e quando encontra o motivo explode na mesma, numa incontinência de insultos típicos de quem não encontra lógica em argumentos que, por mais força que tenham, nunca terão um lugar na razão dos Homens. 

Tenho assistido, de longe, aos incêndios em Portugal. E, sinceramente, os milhares de hectares queimados não me tiram o sono, não são as árvores que demoraram anos a crescer que me preocupam, que me fazem assistir a isto de coração apertado. As condolências do primeiro ministro, do presidente da república e as fotografias no Facebook são pormenores. 
O que me encolhe, em mim mesma, são as pessoas. E eu sou uma pessoa de pessoas. São as pessoas que perdem as casas, que com as suas t-shirts tapam a boca e o nariz para tentar acalmar o gigante que quase lhes pode tirar tudo. São os velhinhos (desculpem-me, mas a palavra idoso, tira-me do sério) que obrigados a deixar tudo para trás, se perguntam porque é que já não têm a força do passado, que os deixaria pegar numa mangueira, num balde de água, em alguma coisa que os deixasse defender o que é deles, o resultado de toda uma vida que agora deveria ser de paz. 

E os bombeiros. E este "e os bombeiros" deve ser lido e transformado em algo gigante, muito maior do que eu, muito maior do que eu alguma vez poderia demonstrar em palavras. Os voluntários, os profissionais, tanto faz. 

Quando Passos Coelho foi ao Caramulo, disse qualquer coisa como agora não ser o momento para discutir o que está mal. E eu sinceramente não sei qual será a altura, mas a julgar pelo percurso meio zombie do nosso governo, iremos discutir os meios de combate aos incêndios lá para Dezembro, quando estivermos com as ruas intransitáveis, os rios a transbordar, e os bombeiros, mais uma vez, a perguntar porque é que são alvo dos cortes, desses cortes orçamentais que nunca ninguém percebe muito bem já que andam de mão dada com a saída em liberdade, dos detidos que vão acender a chama que todos os anos nos destroem. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Os touros atrás dos homens

Começa o verão em Espanha e com o calor os touros, touradas, corridas e idiotices por aí além. Nunca escondi que acho s-i-n-i-s-t-r-o tudo o que se relaciona com touradas, a minha tolerância só vai até aos forcados porque me parece justo, um frente a frente, com dois animais, num jogo sem inteligência, mas com força, perícia e alguma perspicácia. Mas se falarmos de toureiros em cima de cavalos, com coisas pontiagudas para espetar nos touros, roupas catitas, e peito feito, aí a história é outra. Não gosto, repugna-me e, por ironia do destino, vim parar ao país das touradas por excelência. 

Mas, já quase tendo perdido a esperança de me identificar minimamente com o desporto-divertimento-forma de vida-eh lá touro-, que os espanhóis tanto dignificam e defendem eis que há uma forma, no meio de tantas outras, que afinal me diverte, me faz rir e até acho alguma piada: os encierros (não sei como se traduz). São um costume, tanto por Espanha como na América Latina, e basicamente consiste num grupo de homens que corre (à frente, por trás e pelos lados) com uma manada de touros, o mais próximo possivel mas sem chegar a tocá-los. 

É fácil perceber porque me diverte e porque não mudo imediatamente de canal, que é o que faço normalmente quando sou premiada por imagens com touros e humanos. Aqui, nos encierros, animais e homens, estão lado a lado, durante um ou dois minutos, e correm - se correm - caem, uns magoam-se, outros ficam para trás, e quase nunca há feridos graves. Mas são as caras, dos homens, que acho deliciosas. Olham para trás, com os olhos arregalados, como se fugissem da sogra que acabou de descobrir que afinal não há genro perfeito para ninguém, ou da mulher, furiosa, que acabou de descobrir a marca de batom na camisa branquinha, imaculada. Quando não podem fugir mais, porque é isso que fazem, giram, rapidamente, para a esquerda ou para a direita, e enfiam-se numa cerca, que está ali para os proteger, dos touros que são obrigados a mostrar a sua imponência se alguém se atravessa no seu caminho. Faz-me lembrar a altura em que brincava às caçadinhas, havia sempre um sítio que era a casa, uma vez chegada aí, já ninguém me podia tocar para me apanhar. E é essa, exactamente essa, a cara dos corredores: cansados, cheios de adrenalina, quase gritam "CASA", não me podes tocar. 

Houvesse umas corridas assim, com os touros como políticos, e os corredores como políticos, e eu divertia-me bem mais a ver televisão. 


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Calor infernal

"Ligue o ar condicionado", "Não está a funcionar, minha senhora", "Então devia ter posto um papel na janela a dizer que não estava a funcionar para podermos decidir se entramos neste autocarro ou não", "Não temos ordens para fazer isso", "Incompetentes". - ar desesperado de quem vive neste mundo mas gostava de viver noutro.

Quando hoje entrei no autocarro e ouvi esta conversa, achei que estava num mundo paralelo. Achei que esta senhora estava num dia mau - acontece a todos - que tinha bebido água tónica com muito limão e sem Gin, que tinha um neto chatinho de quem ia tomar conta, que o marido lhe tinha dado um chuto no rabo há uns anos atrás ou que chegara o dia, o péssimo dia de pagar os impostos. Hacienda mia, hacienda tuya. 

Andamos descontentes. É entrar numa loja e ver as caras alegres de quem nos atende. Sim, não, talvez. Monossílabos. De todos os "bom dia" que solto, são poucos, quase nenhuns, que me respondem. Não conto com os grunhidos. Andamos descontentes. Chatos, chateados. Com a certeza que pode piorar, mesmo que não saibamos, mesmo que nem nos atrevamos a sonhar com um mundo pior, cheio de impostos, aumentos de preços, descidas de poder de compra, férias traduzidas em dias sem-nada-que-fazer-que-mais-valia-estar-a-trabalhar. 

Mas podia ter sido só o calor. Claro que podia ter sido só o calor. Andamos, por aqui, entre os 28 e os 40 graus. E chateia. Se chateia. 

sábado, 17 de agosto de 2013

Você tem noção, Judite

A página, no Facebook, Judite de Sousa - a vergonha do jornalismo, já conta com mais de 500 gostos. Durante o dia de hoje o meu mural encheu-se de protestos para todos os gostos e feitios. Uns contra, uns a favor e uns mais ou menos e naturalmente uns com os quais concordo e outros que roçam a mesma vergonha que Judite de Sousa me fez sentir. 

Depois de tanto zum zum tive que ir ver a tal entrevista a um tal Lorenzo que nunca tinha sequer ouvido falar na minha vida e não consegui parar de rir. Mas era aquele risinho nervoso, miúdinho igual ao que sentimos quando dizemos alguma coisa muito inconveniente. E cheguei à conclusão que venham, podem vir os Miguel Sousa Tavares e os palhaços adjuntos, que venham os apresentadores que afirmam que no Brasil se fala italiano, que venham, porque ainda nada me tinha feito sentir aquela vergonha miudinha. 

Ora, Judite de Sousa, jornalista portuguesa de renome, já teve, sentadas naquela cadeira, dezenas de pessoas, a quem deveria ter feito algumas perguntas cujas respostas me interessariam bem mais. Perguntas bem mais ao nível jornalístico que deveríamos ter e estar habituados. Mas na verdade é mais fácil tentar descredibilizar o cidadão comum, o que não se defende porque não sabe o que o espera, o que não combina as perguntas e respostas, o que não lhe emprega o filho-tio-primo e dá uma ajudinha, um empurrãozinho. 

sábado, 27 de julho de 2013

Tristeza, tratemo-nos por tu

Ontem acabei a noite triste. E tu, que lês isto, vais provavelmente dizer-me que nada merece a minha tristeza, que é só uma, só uma fase, que tenho que sair e distrair-me, que tenho que deitar a tristeza para trás das costas, que tenho que esquecer, fingir, nem sequer pensar muito no assunto. 
Que tenho que ir dançar, cantar, sorrir e fingir que abraço. 

Não. 
Porque a tristeza tem força, tem significado. Tem tanta força, tanto significado, importa tanto como os meus sorrisos, como os teus sorrisos, importa tanto como a felicidade, como a calma, importa tanto como o melhor momento da vida. Porque é também pela tristeza que cresço, porque é a tristeza tão legítima, tão verdadeira como a felicidade. Não preciso disfarçá-la nem tirar-lhe o ar, para que possa fingir que não está lá, que desaparece, que afinal foi só um engano, que afinal não estava triste. 

Prefiro enfrentá-la. À tristeza. Preciso dizer-lhe que venha, as vezes que quiser. Porque há dias assim, em que não quero dançar, cantar, sorrir e fingir que abraço. Porque há dias em que sorrio à minha tristeza e ficamos as duas, a pensar o que vamos fazer uma com a outra, sem mais ninguém, porque estaria esse alguém a mais. 
E sempre com o mesmo objectivo, esperar que passe em vez de a esconder, para que nunca me possa apanhar desprevenida.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Yo misma, por España

Dicen, por ahí, que los portugueses y los españoles tienen em si mismos todas las diferencias y las igualdades que caben en dos mundos. Dos mundos aparentemente tan distintos y que hacen, desde que estoy aquí, que busque aún mas diferencias y igualdades para que me pueda sentir parte de un sitio que, poco a poco, se va tornando mío.
En Cáritas, encontré todas las semejanzas, encontré en todos, especialmente en los niños, que no importa de donde venimos, quien somos. Lo que sí importa es lo que tenemos para dar, de corazón, detrás de un gesto, de un cariño, de una sonrisa. Son dos horas y media, casi todos los días, de juguetes, de tareas, de minutos desinteresados para que lo pasemos bien. Es esta la magia de Cáritas: todos estamos ahí, iguales, yo como parte de ellos y ellos como parte de mi.
Y son los niños, ciudadanos del mundo, que hacen, todos los días, poco a poco, que crezca, que vea que sí, que por su energía, por su simplicidad, por su entrega, merece la pena que esté aquí.


Tenho este país, que me escolheu, de luto

É impossível não escrever sobre o que se passou ontem na Galiza, em Santiago, no dia de Santiago. Um acidente impressionante, cheio de dor, cheio de tragédia, cheio de culpas. Um comboio que circula a 190 klm por hora numa zona que não podia ultrapassar os 90. 

As imagens, mesmo que de longe, pela televisão, são indescritíveis. Mas há, no meio de tudo isto, a parte a que nos agarramos, a parte que queremos que fique, mesmo que possa parecer a menos importante: doadores de sangue que fizeram filas de horas intermináveis para poderem ajudar e dar um bocadinho de si, vizinhos, que quase assistiram à tragédia, que romperam com as próprias mãos as janelas do comboio, hotéis que oferecem quartos para que as famílias possam descansar, médicos e enfermeiros que não precisaram ser chamados para ir para os hospitais. 

E é de facto nestes momentos, que não são nossos, que não são meus, que me enchem o peito de um nó, enorme, porque esta, esta vida, não é para sempre nossa. 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Deixem-me lá ser magra em paz

Vamos lá ver se a gente se entende porque de facto esta coisa de estarem sempre a dizer-me que estou muito magra começa a arrepiar-me os pelos da nuca e a chatear-me. E a verdade é que não ando por aí a soltar uns "ai, estás tão gorda, uma dietazinha ia bem, não?" ou "se fechares a boca pode ser que emagreças uns quilinhos, sua badocha".

Sempre fui magra, sempre. (Esquecendo os dois anos que deixei de fumar). Não faço dietas, não fecho a boca para-nada-de-nada. Como Nutella às colheres, como leite condensado sempre que me apetece, gelados, donuts ao pequeno almoço, ponho açúcar no café, e adoroooo brigadeiros. Mas não há quilo que me pegue. E isso não é, de maneira nenhuma, um decreto e portanto dispenso que me digam que estou magra. 

E não me venham com teorias, não me digam que ser magra é melhor que ser gorda, porque para as gordas é difícil emagrecer e para as magras é difícil engordar, as simple as that. Felizmente tenho uma mãe e um pai que me deram educação, que me ensinaram a calar quando quero que saia uma barbaridade pela boca fora. Mas também fui aprendendo que o que basta, basta. E portanto pode ser que da próxima vez que me digam que estou tãoooooo magra, possa "o" ou "a" ouvir o que não quer.