sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os incêndios

Nos últimos anos tenho feito um esforço, um esforço sincero, para não ser tão crítica. Para não ser tão crítica comigo mas principalmente com os outros. Esforço-me por encontrar motivos que levem pessoas diferentes de mim a tomarem decisões tão diferentes das minhas. Isto, posto deste modo, parece fácil. Ah e tal, todos somos diferentes, resultado do meio em que crescemos, da cultura que absorvemos, da educação que nos deram, das experiências que tivemos e da genética, ai genética. 
Mas não é fácil, pode ser um caminho longo e penoso desfazer preconceitos. 

E depois tenho o outro lado da moeda, o outro lado da história, a outra versão de mim mesma que quer sair aqui de dentro, como se fosse um monstrinho adormecido há anos. Uma outra versão da Ana, que julga, insulta, acalma-se tentando encontrar um motivo e quando encontra o motivo explode na mesma, numa incontinência de insultos típicos de quem não encontra lógica em argumentos que, por mais força que tenham, nunca terão um lugar na razão dos Homens. 

Tenho assistido, de longe, aos incêndios em Portugal. E, sinceramente, os milhares de hectares queimados não me tiram o sono, não são as árvores que demoraram anos a crescer que me preocupam, que me fazem assistir a isto de coração apertado. As condolências do primeiro ministro, do presidente da república e as fotografias no Facebook são pormenores. 
O que me encolhe, em mim mesma, são as pessoas. E eu sou uma pessoa de pessoas. São as pessoas que perdem as casas, que com as suas t-shirts tapam a boca e o nariz para tentar acalmar o gigante que quase lhes pode tirar tudo. São os velhinhos (desculpem-me, mas a palavra idoso, tira-me do sério) que obrigados a deixar tudo para trás, se perguntam porque é que já não têm a força do passado, que os deixaria pegar numa mangueira, num balde de água, em alguma coisa que os deixasse defender o que é deles, o resultado de toda uma vida que agora deveria ser de paz. 

E os bombeiros. E este "e os bombeiros" deve ser lido e transformado em algo gigante, muito maior do que eu, muito maior do que eu alguma vez poderia demonstrar em palavras. Os voluntários, os profissionais, tanto faz. 

Quando Passos Coelho foi ao Caramulo, disse qualquer coisa como agora não ser o momento para discutir o que está mal. E eu sinceramente não sei qual será a altura, mas a julgar pelo percurso meio zombie do nosso governo, iremos discutir os meios de combate aos incêndios lá para Dezembro, quando estivermos com as ruas intransitáveis, os rios a transbordar, e os bombeiros, mais uma vez, a perguntar porque é que são alvo dos cortes, desses cortes orçamentais que nunca ninguém percebe muito bem já que andam de mão dada com a saída em liberdade, dos detidos que vão acender a chama que todos os anos nos destroem. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Os touros atrás dos homens

Começa o verão em Espanha e com o calor os touros, touradas, corridas e idiotices por aí além. Nunca escondi que acho s-i-n-i-s-t-r-o tudo o que se relaciona com touradas, a minha tolerância só vai até aos forcados porque me parece justo, um frente a frente, com dois animais, num jogo sem inteligência, mas com força, perícia e alguma perspicácia. Mas se falarmos de toureiros em cima de cavalos, com coisas pontiagudas para espetar nos touros, roupas catitas, e peito feito, aí a história é outra. Não gosto, repugna-me e, por ironia do destino, vim parar ao país das touradas por excelência. 

Mas, já quase tendo perdido a esperança de me identificar minimamente com o desporto-divertimento-forma de vida-eh lá touro-, que os espanhóis tanto dignificam e defendem eis que há uma forma, no meio de tantas outras, que afinal me diverte, me faz rir e até acho alguma piada: os encierros (não sei como se traduz). São um costume, tanto por Espanha como na América Latina, e basicamente consiste num grupo de homens que corre (à frente, por trás e pelos lados) com uma manada de touros, o mais próximo possivel mas sem chegar a tocá-los. 

É fácil perceber porque me diverte e porque não mudo imediatamente de canal, que é o que faço normalmente quando sou premiada por imagens com touros e humanos. Aqui, nos encierros, animais e homens, estão lado a lado, durante um ou dois minutos, e correm - se correm - caem, uns magoam-se, outros ficam para trás, e quase nunca há feridos graves. Mas são as caras, dos homens, que acho deliciosas. Olham para trás, com os olhos arregalados, como se fugissem da sogra que acabou de descobrir que afinal não há genro perfeito para ninguém, ou da mulher, furiosa, que acabou de descobrir a marca de batom na camisa branquinha, imaculada. Quando não podem fugir mais, porque é isso que fazem, giram, rapidamente, para a esquerda ou para a direita, e enfiam-se numa cerca, que está ali para os proteger, dos touros que são obrigados a mostrar a sua imponência se alguém se atravessa no seu caminho. Faz-me lembrar a altura em que brincava às caçadinhas, havia sempre um sítio que era a casa, uma vez chegada aí, já ninguém me podia tocar para me apanhar. E é essa, exactamente essa, a cara dos corredores: cansados, cheios de adrenalina, quase gritam "CASA", não me podes tocar. 

Houvesse umas corridas assim, com os touros como políticos, e os corredores como políticos, e eu divertia-me bem mais a ver televisão. 


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Calor infernal

"Ligue o ar condicionado", "Não está a funcionar, minha senhora", "Então devia ter posto um papel na janela a dizer que não estava a funcionar para podermos decidir se entramos neste autocarro ou não", "Não temos ordens para fazer isso", "Incompetentes". - ar desesperado de quem vive neste mundo mas gostava de viver noutro.

Quando hoje entrei no autocarro e ouvi esta conversa, achei que estava num mundo paralelo. Achei que esta senhora estava num dia mau - acontece a todos - que tinha bebido água tónica com muito limão e sem Gin, que tinha um neto chatinho de quem ia tomar conta, que o marido lhe tinha dado um chuto no rabo há uns anos atrás ou que chegara o dia, o péssimo dia de pagar os impostos. Hacienda mia, hacienda tuya. 

Andamos descontentes. É entrar numa loja e ver as caras alegres de quem nos atende. Sim, não, talvez. Monossílabos. De todos os "bom dia" que solto, são poucos, quase nenhuns, que me respondem. Não conto com os grunhidos. Andamos descontentes. Chatos, chateados. Com a certeza que pode piorar, mesmo que não saibamos, mesmo que nem nos atrevamos a sonhar com um mundo pior, cheio de impostos, aumentos de preços, descidas de poder de compra, férias traduzidas em dias sem-nada-que-fazer-que-mais-valia-estar-a-trabalhar. 

Mas podia ter sido só o calor. Claro que podia ter sido só o calor. Andamos, por aqui, entre os 28 e os 40 graus. E chateia. Se chateia. 

sábado, 17 de agosto de 2013

Você tem noção, Judite

A página, no Facebook, Judite de Sousa - a vergonha do jornalismo, já conta com mais de 500 gostos. Durante o dia de hoje o meu mural encheu-se de protestos para todos os gostos e feitios. Uns contra, uns a favor e uns mais ou menos e naturalmente uns com os quais concordo e outros que roçam a mesma vergonha que Judite de Sousa me fez sentir. 

Depois de tanto zum zum tive que ir ver a tal entrevista a um tal Lorenzo que nunca tinha sequer ouvido falar na minha vida e não consegui parar de rir. Mas era aquele risinho nervoso, miúdinho igual ao que sentimos quando dizemos alguma coisa muito inconveniente. E cheguei à conclusão que venham, podem vir os Miguel Sousa Tavares e os palhaços adjuntos, que venham os apresentadores que afirmam que no Brasil se fala italiano, que venham, porque ainda nada me tinha feito sentir aquela vergonha miudinha. 

Ora, Judite de Sousa, jornalista portuguesa de renome, já teve, sentadas naquela cadeira, dezenas de pessoas, a quem deveria ter feito algumas perguntas cujas respostas me interessariam bem mais. Perguntas bem mais ao nível jornalístico que deveríamos ter e estar habituados. Mas na verdade é mais fácil tentar descredibilizar o cidadão comum, o que não se defende porque não sabe o que o espera, o que não combina as perguntas e respostas, o que não lhe emprega o filho-tio-primo e dá uma ajudinha, um empurrãozinho.