domingo, 29 de setembro de 2013

O estranho caso das cuecas

Hoje é domingo, dia de fazer coisas que habitualmente não fazemos à semana. Preguiçar no sofá, comer (Nutella), comer e comer, ver séries, filmes, adormecer, acordar e voltar a adormecer. Ver todas as novidades no Facebook, esperar pelos resultados das autárquicas, ler notícias, espreitar sites de tudo e mais alguma coisa, pôr a manta nas pernas, puxá-la até ao pescoço, voltar a pô-la nas pernas. E, um domingo por outro, arrumar e organizar. 

Durante esta semana, já não me lembro exactamente quando, percebi que tinha uma problema com as minhas cuecas. Percebi que tenho demasiadas e que mesmo quando compro novas, mantenho as velhas. Como, se por magia, aparecesse no meu armário a fada-que-torna-coisas-velhas-em-coisas-novas e as curasse dos anos que passaram. Entre lavagens, maus tratos para entrarem e saírem de malas de viagem, pressão assustadora para que se encolham e caibam nas gavetas, molas postas-de-qualquer-maneira quando é a sua vez (das cuecas) de irem para o estendal. As cuecas também têm validade, mas as minhas, algumas delas, estão pelas ruas da amargura. 

Não sei se o problema é só meu. Se de facto tenho uma relação quase doentia com as minhas cuecas velhas que já deviam estar no lixo (velhas, hã, velhas). Se o facto de escolher esta ou aquela porque tenho isto ou aquilo é normal ou só mais uma cabralice, das minhas, anacabralices.
Admiro portanto todas as mulheres que por aí andam que tenham, eventualmente, uma gaveta de cuecas imaculadamente novas, as mulheres que coleccionem cuecas Victoria's Secret, Intimissimi e Triumph. Todas elas com as rendas cutxi-cutxi, sem fios soltos e sem cores desgastadas.

Porque as minhas, que em tempos foram vermelhas, e brancas, e verdes, e cor de rosa, e pretas, agora, agora mesmo não têm lugar nas paletas de cores deste mundo. 

Pensei, por hoje ser domingo, em fazer uma limpeza. Em atirá-las para o caixote do lixo sem dó nem piedade, mas vai ficar como resolução para o ano que há-de vir. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Outros

Há muita gente que me pergunta como tenho tanto tempo para lidar com os problemas dos outros e tão pouco para resolver os meus. A resposta parece-me tão simples: os meus problemas incomodam-me, os dos outros, nem por isso. E depois, bem, depois sou uma pessoa de pessoas. 

Não gosto de me isolar, de me alhear ao mundo que está aí, ali, aqui, bem à minha volta. Não gosto de ser só minha, nem gosto que os outros sejam só dos outros. E chamar-lhes outros, não é redundante. É que os outros, mesmo sendo outros, são meus. Porque sei que eu, só comigo, acabo por ser muito pouco. 
Gosto de desfrutar de uma amizade pura. Gosto de saber com o que conto e de mostar aos outros, os meus, com o que podem contar. Não é uma questão de dias melhores, de dias piores, de paciências horárias ou de curiosidades insanas que atendem o telemóvel quase sozinhas. 

Darmos a nossa parte, chamemos-lhe disponível, custa. 
Quantas vezes não me apeteceu desligar, despedir-me sem justa causa de amizades que me tiram mais do que me dão, trocar a tradição da amizade longa pela esplanada com outros novos que ainda não contam problemas. Não porque não os tenham, mas porque ainda é cedo. 
Custa, mas vale a pena. Porque depois, os sorrisos dos outros, também são meus. Um bocadinho meus. Porque mesmo sem obrigada, obrigado, sem gestos, sejam estes quais forem, são outros que me pertencem. Ou melhor dito, sou eu, mais completa, que pertenço a outros. Porque sei, se sei, que sem os outros, seria metade do que sou. E não gosto de metades. Andam sempre perdidas, à procura do outro lado. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sentemo-nos no trono... Sem medo, sem medo!


Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém o ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!
 
Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta d'amores de alimpadura
Serviu àquela parte malcheirosa:
 
Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito d'amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita:
 
Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!


Depois d'este anúncio, mandem à moça mais bonita, um frasco, dois frascos, três frascos de poo-pourri. Bocage agradece.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Não sou de piropos

Nunca fui pessoa de ter insónias. Nem nunca fui pessoa que deixe o seu sono de beleza por problemas daqueles do dia a dia que à noite parecem enormes mas que depois, com outra luz, com outros olhos e um novo pequeno almoço voltam a ganhar uma dimensão mais normal, mais realista. Nunca me aconteceu - e que continue assim - não dormir porque fiquei a pensar nisto ou naquilo, naquele ou naquela. Tenho os meus pesadelos, tenho as minhas inseguranças, alguns ataques de ansiedade (que não são bem ataques mas que até podiam ser) mas normalmente durmo bem, menos do que queria, mas bem - dizem que as horas de sono vão reduzindo com a idade e como eu não quero que isso me aconteça tão cedo, que fique claro, claro como água cristalina que isto não é uma queixa, just a point of view, não vá andar por aí uma ave rara do além achar que eu devia era saber "o que é bom para a tosse". 

Mas hoje, vá-se lá saber porquê não consigo (ainda) adormecer e portanto ponho-me a divagar. E a ler notícias, e a abrir e fechar o facebook e a jogar clash of clans, e a ler outros blogues, e a passear este meu cérebro por assuntos que achava que não me iam despertar nenhum interesse mas que afinal, afinaaaaallll não é bem assim. 

Ora o assunto piropos na rua a mulheres/raparigas/crianças está a tentar ser assunto passível de ser discutido e revisto pelos mui nobres senhores que tomam conta deste país. Mas infelizmente a coisa já nasceu torta (o debate) porque a escolha da palavra piropo é descabida e quando o peixe morre pela boca, não há nada a fazer. Entorna-se o caldo, fecham-se as cortinas e o teatro acaba mesmo antes de saírem actores e figurinos deixando todo um público sedento de espectáculo, entregue à especulação, ao ridículo da adivinha. 

É que esta coisa dos piropos tem que se lhe diga. Para alguns. Para esses alguns, que deixam à partida de ter interesse, um piropo pode até ser uma forma brejeira de elogio. Quem não gosta de ouvir um piropo? Quem não quer ouvir um piropo se o piropo pode fazer com que um dia merdoso se torne num dia soalheiro, cheio de luz, brilhante. Mesmo que o piropo seja "oh filha, comia-te toda" ou "anda cá que o pápá ensina-te umas coisas" ou "oh boneca, nem sabes o que te fazia". E outras coisas que não me apetece escrever agora mesmo sob pena de isto se tornar um texto pornograficamente insuportável. 

A sério? A sério que isto pode ser considerado um elogio? Queremos todos acreditar que eu tenho que ouvir o que qualquer pessoa me diz na rua, porque lhe apetece? Que tenho que fingir que não ouço, acelerar o passo e, da próxima vez, escolher outro caminho ou outra saia, ou outra camisa, ou outra cara? 
Talvez tenha encontrado a resposta para todos os piropos que me possam surgir e talvez não seja a mais delicada, talvez não seja a que é suposto, mas também, um piropo, não é só um piropo.